Estudo do movimento de projéteis

Atualmente estou na última parte do meu curso de Cálculo 2, e minha professora deduziu a equação que descreve o movimento de projéteis (ou parabólico).

Eu já vi essa dedução quando fiz Física 1 na faculdade de Física, vi de novo quando fiz Física 1 na faculdade de Matemática e estou vendo pela terceira vez em Cálculo 2. Dessa vez eu finalmente consegui refazer as contas, e é exatamente elas que farei nesse post.

O que é o movimento de projéteis

Dizemos que um corpo está se movendo como um projétil quando ele é lançado e, após seu lançamento, a única força que atua externamente sobre ele é a força gravitacional exercida pela Terra. Este é, portanto, um movimento bem idealizado. Um exemplo aproximado é o movimento de uma bala disparada por uma arma de fogo.

A trajetória desse movimento é uma parábola, e por isso esse movimento também é chamado de movimento parabólico.

Seja um corpo lançado com ângulo de elevação \alpha, posição inicial \vec{r_0} e velocidade inicial \vec{v_0}. Assumindo que a resistência do ar seja desprezível e que a única força externa seja devida à gravidade, determine a função posição \vec{r}(t) do corpo.

Bora começar!

Contas

Estamos assumindo que a única força que age externamente sobre o corpo após o seu lançamento é a força gravitacional exercida pela Terra. De acordo com o que eu fiz nesse texto aqui, a aceleração que essa força produz em qualquer corpo na superfície da terra é aproximadamente constante e possui módulo g = 9,8 m/s^2 (mas vou escrever só g nas contas).

Definindo o sentido positivo do eixo y como sendo o de baixo para cima, temos que a aceleração do corpo após seu lançamento será:

    \[\vec{a} = -g \; \hat{j}\]

Pois a Terra está para baixo em qualquer sistema de coordenadas que escolhermos.

Sabendo que a velocidade é a integral da aceleração, teremos que:

\vec{v(t)} = \int \vec{a} \, dt = \int (-g \; \hat{j}) \, dt = \int -g \, dt \; \hat{j} = -gt \; \hat{j} + \vec{C} \imp

    \[\vec{v(t)} = -gt \; \hat{j} + \vec{C}\]

E acabamos de deduzir a equação que nos diz a velocidade do corpo em qualquer instante de tempo. Maaas ela ainda possui um termo desconhecido, que é esse \vec{C}.

Para descobrirmos quanto vale esse vetor constante \vec{C}, precisamos usar a velocidade inicial dada, pois, por definição, a velocidade inicial é a velocidade do corpo no instante zero. Isto é: \vec{v_0} = \vec{v}(0). Logo:

\vec{v}(0) = \cancel{g \cdot 0 \; \hat{j}} + \vec{C} = \vec{v_0} \imp \vec{C} = \vec{v_0}

Então a equação que descreve a velocidade do movimento do nosso corpo onde todos os termos são conhecidos é:

    \[\vec{v}(t) = -gt \; \hat{j} + \vec{v_0}\]

Agora basta integrarmos essa velocidade para obtermos a função posição do corpo. Mas antes de fazer isso, deixe-me reclamar um pouquinho.

Pausa para reclamar da minha falta de conhecimento

Se você achou confuso algum passo dessas contas, saiba que eu também achei.

Creio que o motivo seja porque a justificativa de cada passo é o seguinte teorema que eu não sei provar:

Teorema que nos diz como integrar um vetor.
este teorema está na página 789 do volume 2 do Stewart

É graças a esse teorema que eu pude meio que comutar o \hat{j} com o dt nas contas acima.

Apesar de não saber demonstrar esse teorema, eu pelo menos consegui usá-lo. E por te-lo usado corretamente, sinto que sou capaz de resolver qualquer exercício de cinemática que existe (mesmo que dê contas pra caralho já que não vou usar trabalho e energia para resolve-los).

De volta as contas

Voltando de onde paramos, integrando o \vec{v}(t) que obtemos teremos:

\vec{r}(t) = \int \vec{v}(t) \, dt = \int -gt \; \hat{j} + \vec{v_0} \; dt = \int -gt \; \hat{j} \, dt \, +\, \int \vec{v_0} \, dt =

\int -gt \, dt \; \hat{j} \, + \int \vec{v_0} \, dt = - \frac{1}{2} gt^2 \; \hat{j} + t \vec{v_0} + \vec{D} \imp

    \[\vec{r}(t) = - \frac{1}{2} gt^2 \; \hat{j} + t \vec{v_0} + \vec{D}\]

Novamente, para descobrirmos o valor de \vec{D}, devemos usar a posição inicial \vec{r_0} dada:

\vec{r}(0) = \cancel{- \frac{1}{2} g \cdot 0^2 \; \hat{j}} + \cancel{0 \cdot \vec{v_0}} + \vec{D} = \vec{r_0} \imp \vec{D} = \vec{r_0}

Logo, a função posição que queríamos é:

(1)   \begin{equation*}  \vec{r}(t) = - \frac{1}{2}gt^2 \; \hat{j} + t \vec{v_0} + \vec{r_0} \end{equation*}

Prova de que a trajetória é uma parábola

O que fizemos até aqui já responde o problema inicial que propus, pois já temos a equação que nos diz onde o projétil vai estar em qualquer instante de tempo desde que saibamos sua velocidade inicial e sua posição inicial. No entanto, ainda não provamos que a trajetória do seu movimento será uma parábola, como eu afirmei no começo do post. Para isso, farei uma última continha.

Se denotarmos a velocidade escalar inicial do corpo | \vec{v_0} | como v_0 (sem a setinha), podemos decompor \vec{v_0} da seguinte forma:

\vec{v_0} = v_0 \cos(\alpha) \; \hat{i} + v_0 \sin(\alpha) \; \hat{j}

Além disso, bora considerar que a posição inicial do corpo coincide com a origem do nosso sistema de coordenadas, para facilitar nossas contas.

Daí, a equação (1) se torna:

\vec{r}(t) = (v_0 \cos(\alpha))t \; \hat{i} + ((v_0 \sin(\alpha))t - \frac{1}{2}gt^2) \; \hat{j}

(confira fazendo suas próprias contas!!)

Admitindo que os movimentos ao longo de do eixo y do eixo x são independentes um do outro (uma suposição conhecida como princípio de Galileu, que parece ser um caso particular da lei da inércia), temos que o vetor \hat{i} nessa equação acima descreve o movimento horizontal do corpo e o vetor \hat{j} descreve o movimento vertical. Isto pode ser representado assim:

    \[\begin{cases} x(t) = v_0 \cos(\alpha)t \\ y(t) = v_0 \sin(\alpha)t - \frac{gt^2}{2} \end{cases}\]

Daí, isolando o t na primeira equação, temos que:

    \[t = \frac{x}{v_0 \cos(\alpha)}\]

E substituindo esse t na segunda equação, teremos que:

v_0 \sin(\alpha) \frac{x(t)}{v_0 \cos(\alpha)} - \frac{g}{2} (\frac{x(t)}{v_0 \cos(\alpha)})^2 = y(t) \imp

y(t) = - \frac{g}{2v_0^2 \cos^2(\alpha)} x(t)^2 + x(t) \tan(\alpha)

Note que a equação obtida é da forma y(t) = ax(t)^2 + bx(t). E mais, o coeficiente do x(t)^2 é sempre negativo. Isto significa que a trajetória é uma parábola com a concavidade virada para baixo, como sabemos desde as nossas aulas do ensino fundamental.

E agora sim está provado que a trajetória do movimento de um projétil (em um mundo idealizado, sem a resistência do ar e outras forças) é sempre uma parábola.

O que vai ditar a forma da parábola/trajetória são os coeficientes da equação, que estão em função da velocidade escalar inicial e o ângulo de lançamento.

Comentários finais, referências e exercício proposto

Aparentemente, tudo que eu falei sobre o movimento de projéteis nesse post Galileu já sabia. Mais do que isso, ele sabia até o ângulo \alpha que faz o alcance do movimento ser máximo. Isso é possível de se descobrir fazendo algumas poucas continhas a mais (que minha professora fez inclusive).

A minha fonte para tal afirmação é o seguinte trecho do capítulo 3 do livro de Física 1 do Moysés:

Na última jornada dos “Diálogos”, Galileu discute o movimento dos projéteis. Precursores de Galileu acreditavam que uma bala de canhão se move em linha reta até esgotar seu impulso, e depois cai verticalmente (um deles propôs juntar esses dois segmentos de reta por um arco de círculo tangente a ambos para descrever a trajetória). Galileu foi o primeiro a demonstrar que a trajetória é uma parábola. Além disso, obteve vários dos resultados discutidos acima, inclusive que o alcance é máximo para θ = 45°, enunciando ainda o seguinte resultado: “As amplitudes das parábolas descritas por projéteis disparados com a mesma velocidade, mas em ângulos de elevação acima e abaixo de 45° e equidistantes de 45°, são iguais entre si”.

Para escrever esse post, além de ler esse capítulo do Moysés, eu também dei uma lida no capítulo 6 do livro História da Filosofia Ocidental Vol. 3 do Bertrand Russell, e principalmente, no capítulo 13 do volume 2 do livro do Stewart. Este texto todo é inclusive um problema resolvido do Stewart, que está na página 801 (da sexta edição), caso você queira dar uma olhada.

Foi o livro do Russell que me fez achar que o princípio de Galileu é um caso particular da 1ª lei de Newton (que já era conhecida por Galileu). Mas não tenho certeza se entendi isso corretamente.

Por fim, caso você queira exercitar o que leu aqui, tente fazer o seguinte exercício do capítulo 13 do Stewart:

Exercício do Stewart que é para calcular: (a) o alcance do movimento de projéteis, (b) a altura máxima atingida e (c) a velocidade escalar no fim.

Muito obrigado por chegar até aqui ^^

4 comentários em “Estudo do movimento de projéteis”

  1. Parabéns pelo trabalho, pois só de tentar entender o problema já dá um nó na cabeça imagino resolver.

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    • kkkkkkkkkkkkkkkkkk, entender o problema já é 80% do que temos que fazer pra resolver ele. É normal sentir dificuldade mesmo.
      E muuuito obrigado por ler e comentar. Fico muito feliz de saber que alguém se esforçou pra tentar resolver o problema junto comigo :]

      Responder

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